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No
momento em que a produção do campo brasileiro prospera e a fabril atravessa
dificuldades, há quem acredite que o agronegócio e a indústria são setores
antagônicos e até conflitantes, como se o país tivesse de escolher entre um e
outro para definir uma rota de desenvolvimento.
A
história mostra que não é assim. Um dos trunfos dos Estados Unidos foi se
industrializar aproveitando suas vantagens como grande produtor de alimentos.
No estado de Illinois, um dos mais fortes da agricultura americana, as fazendas
ocupam quatro quintos das terras e a produção de matérias-primas, como milho,
soja e suínos, gera 9 bilhões de dólares por ano.
Mas
também foi nesse estado que, no século 20, nasceram processadoras de alimentos
agora globais, como Kraft Foods, ADM e Hillshire Brands, antiga Sara Lee. Hoje
lá estão 950 indústrias de alimentos que injetam anualmente 13 bilhões de
dólares na economia.
O
ambiente ainda permitiu o florescimento do setor de serviços. A capital,
Chicago, é o segundo centro financeiro americano; e sua bolsa, a bússola global
dos preços agrícolas. Guardadas as devidas proporções, uma história parecida
ocorreu em São Paulo. A riqueza gerada por produtos, como café, laranja e
cana-de-açúcar, financiou o salto industrial que fez do estado a locomotiva
econômica do Brasil.
De
forma lenta e silenciosa, uma transição similar vem ocorrendo numa região
conhecida como o atual celeiro nacional: o Centro-Oeste. Nos últimos sete anos,
o produto industrial do conjunto formado por Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e
Goiás cresceu 6,2% ao ano — o dobro da média brasileira.
Como
o agronegócio também viveu momentos de fartura, o resultado é que o PIB
regional avançou 5,4% ao ano, enquanto o país cresceu à média de 4,2%— e isso
fez do Centro-Oeste a região de maior crescimento. O número de indústrias
instaladas dobrou ao longo da última década: de 17 500, em 2000, para 36 000, em 2011.
O
mercado de trabalho seguiu a tendência. Os empregos no setor passaram de 247 800 para 574 800 e agora representam 22% do
total da região. “Estamos presenciando no Centro-Oeste uma descentralização da
produção industrial brasileira puxada pelo agronegócio”, diz o economista
Evaldo Alves, da Fundação Getulio Vargas.
Um
exemplo da dinâmica que move o processo é o que ocorre na cidade de
Rondonópolis, em Mato Grosso, a 217 quilômetros de Cuiabá. Nos anos 80,
Rondonópolis era chamada de capital nacional do agronegócio devido à sua
produção de soja.
Com
a agropecuária em destaque, a cidade passou a atrair um número crescente de
grandes empresas comerciais e processadoras. Presentes na cidade desde a década
de 90 para exportar grãos, as multinacionais ADM e Bunge mais recentemente
montaram fábricas de óleo.
A
mesma cadeia produtiva agora atrai uma nova leva de investimentos. O grupo
chinês Noble escolheu no ano passado o município para investir 250 milhões de
dólares na construção de sua primeira usina de biodiesel no país. A indiana Naq
Global está erguendo uma fábrica de fertilizantes.
Hoje,
Rondonópolis é o principal polo agroindustrial de Mato Grosso. “De modo geral,
a industrialização do Centro-Oeste ainda está atrelada à agropecuária”, diz o
economista Carlos Wagner Oliveira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
“A tendência é que, em torno da base formada, ocorra uma diversificação dos
setores industriais.”
O
trunfo da logística
A
passagem de uma economia preponderantemente agropecuária para uma industrial
depende de alguns pilares. Um dos principais é a infraestrutura de transporte.
No caso do Centro-Oeste, ela em geral é ruim. Mas onde é boa impulsiona a
industrialização. EXAME visitou Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul, município
de 105 000 habitantes
a 340 quilômetros da capital, Campo Grande.
A
aprazível cidade que se espalha entre as lagoas que lhe dão o nome tem recebido
comitivas de executivos europeus, coreanos e chineses interessados em fazer
negócios. Três Lagoas está ao lado da antiga Estrada de Ferro Noroeste do
Brasil, linha que a liga ao porto de Santos e hoje é operada pela ALL.
A
ferrovia e a maturação de uma floresta de eucaliptos nas cercanias explicam a
emergência da cidade como novo polo de produção de celulose e papel — há previsão
de que se torne o maior do mundo até 2020. Nos últimos cinco anos, a americana
International Paper, fabricante de papel, e a Fibria, produtora de celulose do
grupo Votorantim, acionaram suas máquinas na cidade.
Outra
fábrica de celulose, a Eldorado, um investimento de 6 bilhões de reais do grupo
JBS, tem inauguração marcada para dezembro. “A combinação favorável que
encontramos em Três Lagoas permitiu que nosso projeto saísse no prazo e abaixo
do custo”, diz José Carlos Grubisch, presidente da Eldorado.
“Agora,
a facilidade de escoamento vai ajudar na nossa competitividade.” Metade da
produção de 1,5 milhão de toneladas por ano da Eldorado será despachada pela
ferrovia. A outra metade irá por barcaças — a cidade, situada às margens do rio
Paraná, oferece a opção da hidrovia Tietê-Paraná.
Para
completar a vantagem de Três Lagoas em logística, a rodovia Marechal Rondon,
que passa ao lado, dá acesso às melhores estradas de São Paulo, principal
mercado consumidor do país. A rodovia foi decisiva na atração de indústrias
pioneiras, como a paulista Klin, fabricante de sapatos infantis que lá chegou
em 2002.
“Contar
com três alternativas de transporte é uma grande vantagem para disputarmos
investimentos”, diz Simone Tebet, ex-prefeita de Três Lagoas e vice-governadora
de Mato Grosso do Sul. E vem mais por aí. Bem servida por terra, no início de
2013 a cidade vai ganhar seu aeroporto.
Como
ocorreu no processo de industrialização de outras regiões, notadamente no
Nordeste, a oferta de incentivos fiscais é outro fator que tem pesado na
decisão de empresas que optam pelo Centro-Oeste. O estado de Goiás foi um dos
precursores no uso de incentivos nos anos 80 e hoje tem o setor industrial mais
diversificado do Centro-Oeste.
“Longe
do mercado consumidor do Sudeste, seria impossível atrair indústrias se não
oferecêssemos compensações”, diz Pedro Alves de Oliveira, presidente da
Federação das Indústrias do Estado de Goiás. O setor de alimentos e bebidas,
representado por empresas como BRF e Ambev, responde por quase metade da
indústria local, mas outros segmentos, como têxtil e farmacêutico, progridem.
Anápolis,
um dos municípios que melhor utilizam a estratégia, é o segundo polo produtor
de genéricos do país, com laboratórios como Teuto/Pfizer e Roche. Goiás também
abriga montadoras de carros. A primeira foi a Mitsubishi, que está em Catalão
desde 1998 e agora investe 1 bilhão
de reais para expandir a produção.
Em
Itumbiara, a Suzuki constrói sua primeira fábrica fora do Japão. A chinesa
Changan vai se instalar em Anápolis, onde já se encontra a Hyundai Caoa. Há
quem observe a mudança no perfil produtivo da região com uma preocupação: em
pleno século 21, a industrialização ali tem se limitado a empresas montadoras
ou que replicam tecnologias tradicionais.
“Um
dos trunfos dos Estados Unidos foi promover a inovação”, diz Alexandre Rands,
economista da consultoria Datamétrica. “Para que seu salto seja completo, o
Centro-Oeste deveria se preocupar em atrair indústrias dispostas a inovar.” Eis
mais um desafio para os pioneiros do avanço rumo ao oeste.
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