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“Minha sensação é que eu não servia para ser mãe. Não
consegui fazer o parto do jeito certo [normal], não conseguia amamentar. Tinha
algo muito errado comigo. Fui abrindo mão de muitas coisas e isso influenciou a
minha maternidade”. O relato é da jornalista Carol Patrocínio, 30 anos, sobre
as consequências da violência que sofreu durante o parto do primeiro filho,
quando tinha 18 anos. Maus-tratos e desrespeito na gravidez são situações que
afetam muitas mulheres. Para enfrentar o problema, uma pesquisa da Organização
Mundial da Saúde (OMS) mapeou sete tipos de violência no parto. O objetivo é
identificar e prevenir essas ocorrências nos serviços de saúde.
Somente quando engravidou do segundo filho, sete anos
depois, Carol se deu conta de que não era normal ter passado por situações de
maus-tratos e desrespeito. “Quando você começar a ler e a conversar com outras
mulheres, você vê que a culpa não é sua, que essa violência é
institucionalizada”, relatou. Entre as situações vividas pela jornalista no
nascimento de Lucas, hoje com 11 anos, ela citou a cesariana sem indicação, a
espera de seis horas sem acompanhante para a cirurgia e a orientação para que
permanecesse todo o período de espera em uma só posição, pois, caso contrário,
o bebê estaria em risco.
O professor João Paulo Dias de Souza, da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), coordenou o
estudo da OMS nas línguas portuguesa, espanhola e francesa. Ele disse que a
metodologia foi encontrar na literatura quais os tipos de maus-tratos e
desrespeito haviam sido relatados por mulheres no momento do parto. “Procuramos
todos os estudos que reportavam algum tipo de desrespeito, abusos e
maus-tratos”, explicou. Foram reunidos 65 trabalhos, realizados em 34 países.
Os resultados foram publicados no fim de junho na revista PLOS Medicine,
dos Estados Unidos.
São sete os tipos de violência mapeados: abuso físico, abuso
sexual, preconceito e discriminação, não cumprimento dos padrões profissionais
de cuidado, mau relacionamento entre as mulheres e os prestadores de serviços e
condições ruins do próprio sistema de saúde. Para Souza, muitas dessas
situações ocorrem sem que haja intencionalidade por parte dos profissionais,
mas são estimuladas por um alto nível de desgaste, estresse e pelas limitações
dos serviços de saúde. “A partir dessa constatação, temos que desenvolver
estratégias para desarmar esses ambientes tóxicos em que muitas maternidades se
constituem”, defendeu.
Gritos, chutes, beliscões, julgamentos, esbofeteamento,
comentários acusadores e até mesmo abuso sexual foram agressões relatadas pelas
gestantes na pesquisa. O coordenador reforça que esses episódios foram
encontrados em vários países. “Ocorre em diferentes proporções, intensidades,
mas no mundo inteiro”, afirmou. A publicação, no entanto, cita o Brasil em
cinco momentos, ao se referir à restrição da presença de acompanhante, a
situações de grito contra as mulheres, à restrição nos leitos e aos relatos das
mulheres de que os profissionais de saúde evitavam de maneira intencional a
troca de informações.
Assim como relatado por Carol, os traumas desse tipo de
situação podem durar por um tempo e ter impacto para a mãe e o bebê. “São
descritas condições patológicas, onde a mulher passa a ter uma lembrança
negativa que lhe atormenta e isso a gente chama a síndrome de estresse
pós-traumático. Pode ter impacto na saúde da mulher e na ligação dela com a
criança”, disse o professor da USP. A violência no parto leva também à maior
ocorrência de depressão e piora da autoestima da mulher.
Souza acredita que a definição dos tipos de violência ajuda
a tornar clara, tanto para pacientes quanto para profissionais de saúde,
comportamentos que não devem ocorrer nas unidades de saúde. “[Devemos], ao
mesmo tempo, empoderar as mulheres para que elas tenham a capacidade de dizer:
“esse cuidado não é adequado”; e aumentar também o nível de consciência para
que os próprios serviços de saúde estejam alerta para essa situação”. Ele
destacou que o propósito não é apontar os profissionais responsáveis, mas
discutir e combater o problema de forma geral. Carol também aposta na iniciativa.
“É muito importante que a gente coloque tudo bem didaticamente para não ter
dúvidas e conseguir transformar. O primeiro passo é definir o limite das
coisas”, defendeu.
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