Uma decisão tomada nesta quinta-feira, 9, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) torna mais complicada a situação dos homens que agridem as mulheres no ambiente doméstico. Ao analisarem a Lei Maria da Penha, os ministros do STF concluíram que a abertura de ação criminal contra o responsável pela lesão corporal não está mais condicionada a uma representação da vítima.
Ou seja, o processo
poderá ser aberto mesmo se a mulher não prestar queixa. Antes, para abrir a
ação, era necessária uma representação da vítima. Se ela fosse agredida, mas
optasse por não denunciar o companheiro, nada poderia ser feito. E ainda havia
a possibilidade de a mulher retirar a queixa diante das pressões do agressor.
Agora, diante de denúncias, por exemplo, de vizinhos, o Ministério Público
poderá acionar o responsável pela agressão, retirando da mulher essa pressão.
No
julgamento, cujo placar foi 10 a 1, apenas o presidente do STF, Cezar Peluso,
votou pela manutenção da necessidade de representação pela mulher agredida.
Os
ministros afirmaram que na maioria dos casos a mulher desistia da queixa após
sofrer pressões psicológicas e econômicas por parte do agressor. Mas, com o
entendimento adotado nesta noite pelo tribunal, essa pressão deixa de existir.
"Se
ela (mulher) não representar e houver a notícia crime por um vizinho que cansou
de ouvir e ver as consequências das surras domésticas, se terá a persecução
deixando-se a mulher protegida porque o marido não vai poder atribuir a ela a
existência da ação penal", disse o relator, Marco Aurélio Mello.
No
julgamento no qual foram analisadas ações da Procuradoria Geral da República e
da Presidência, os ministros reconheceram por unanimidade a constitucionalidade
da Lei Maria da Penha. Eles disseram que existe desigualdade entre homens e
mulheres, que a sociedade é machista e paternalista e que a lei é necessária
para proteger o sexo feminino de agressões."As agressões sofridas são
significativamente maiores do que as que acontecem - se é que acontecem -
contra homens em situação similar", afirmou o relator.
A
ministra Rosa Weber disse que exigir-se da mulher agredida que represente
contra o agressor atenta contra a dignidade da pessoa humana. O ministro Luiz
Fux afirmou que não é razoável a obrigatoriedade da representação por parte da
mulher agredida. Segundo ele, isso até inibe que a mulher, já abalada
emocionalmente pela violência, denuncie o companheiro.
Preconceito
no STF. Uma das mais enfáticas no julgamento, a ministra Carmen Lúcia
afirmou que ela própria é vítima de preconceito. "Às vezes acham que juíza
desse tribunal não sofre preconceito. Mentira. Sofre. Há os que acham que aqui
não é lugar de mulher", disse a ministra.
Ela
contou que quando está no carro oficial do tribunal nota olhares
preconceituosos: "Na cabeça daquele que passa, estamos usurpando a posição
de um homem. Imagina-se a esposa de alguém que deve estar trabalhando enquanto
ela está fazendo compras", disse. "A gente quer viver bem com os
homens porque a gente gosta de homem. Queremos ter companheiros, não queremos
ter carrascos", completou a ministra. "Quem bate não ama",
finalizou.
Carmem
citou o assassinato na semana passada da procuradora federal Ana Alice
Moreira de Melo, morta a facadas pelo ex-marido dias após ter registrado uma
ocorrência contra ele numa delegacia. "Enquanto houver uma mulher sofrendo
em qualquer canto deste planeta eu me sinto violentada", afirmou. A
ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres, Iriny Lopes, e a senadora
Marta Suplicy (PT-SP) assistiram ao julgamento. Elas questionaram o advogado-geral
do Senado, Alberto Cascais, que em sua sustentação oral defendeu a necessidade
de a mulher agredida apresentar uma reclamação contra o agressor.