No Brasil, conforme o Censo de 2020, aproximadamente 30 milhões de pessoas vivem em áreas rurais, e mais da metade enfrenta condições precárias de saneamento, com 52,4% sem acesso a água potável ou tratamento de esgoto. Sistemas convencionais de tratamento são caros e logisticamente complexos para comunidades isoladas, o que torna essencial o desenvolvimento de soluções simples, econômicas e sustentáveis.
A vermifiltração é uma tecnologia promissora que utiliza minhocas e microrganismos para tratar esgoto de forma natural. Esse método é acessível, fácil de operar e ambientalmente amigável, sendo ideal para áreas rurais. Contudo, a eficácia do sistema depende do substrato utilizado no filtro, e materiais tradicionais, como serragem, nem sempre estão disponíveis. Este estudo explora a Brachiaria, uma planta abundante em pastagens brasileiras, como substrato alternativo para vermifiltros, visando melhorar a eficiência do tratamento de esgoto.
Objetivos
O estudo teve como objetivo avaliar o desempenho de vermifiltros utilizando Brachiaria como substrato, comparado a outros materiais, no tratamento de esgoto bruto. A pesquisa buscou verificar se a Brachiaria favorece o desenvolvimento de minhocas (Eiseniaandrei) e melhora a qualidade do efluente tratado, analisando parâmetros como pH, turbidez, condutividade elétrica, alcalinidade e população de minhocas.
Metodologia
O experimento foi conduzido na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FECFAU) da Universidade de Campinas (Unicamp), utilizando esgoto bruto do sistema da universidade. Foram construídos 15 vermifiltros em garrafas plásticas de 1,5 litro, cada uma com uma camada de 5 cm de cascalho na base, seguida por diferentes substratos: (1) solo puro, (2) solo com areia (1:1), (3) solo com Brachiaria (1:3), (4) solo com Brachiaria moída (1:3) e (5) areia com Brachiaria moída (1:1). Cada filtro foi inoculado com 10 minhocas Eiseniaandrei, conforme recomendado por estudos anteriores.
O esgoto foi aplicado diariamente a uma taxa de 500 L/m²/dia, e o efluente drenado foi coletado em recipientes plásticos sob as garrafas. A aeração foi natural, sem uso de equipamentos mecânicos. A Brachiaria foi coletada no campus, seca em estufa a 65°C e dividida em duas formas: inteira (sem trituração) e moída (usando moinho Wiley). A areia foi lavada e seca, com granulometria predominantemente de areia média (0,2 a 0,6 mm). O solo, classificado como Argissolo Vermelho Eutrófico, apresentou textura argilosa (50,6% de argila), pH 6,6 e alta fertilidade (saturação de bases de 83%).
As condições ambientais, como temperatura e umidade, foram monitoradas. Amostras do efluente foram coletadas 30 minutos após a aplicação do esgoto, analisando pH, alcalinidade total, condutividade elétrica e turbidez, conforme métodos padrão (APHA, 2022). Após 90 dias, a população de minhocas foi contada e pesada. Os dados foram analisados estatisticamente por ANOVA e teste de Scott-Knott (p<0,05) usando o software SISVAR.
Figura 1: Esquema do sistema de vermifiltração utilizado no experimento.
Sistemas Utilizados
Os vermifiltros foram montados em garrafas plásticas com aberturas de drenagem na base e tampas cortadas para ventilação. Cada filtro continha uma camada de cascalho, seguida pelos substratos testados. O experimento foi desenhado de forma completamente randomizada, com cinco tratamentos e três repetições, totalizando 15 unidades. O esgoto bruto foi aplicado manualmente, e o efluente coletado foi analisado para avaliar a eficiência do tratamento. A escolha dos substratos visou comparar o desempenho da Brachiaria (inteira e moída) com materiais tradicionais, como solo e areia, e verificar sua influência no ambiente das minhocas e na capacidade de filtração.
Figura 2: Esquema do vermifiltro construído com garrafa plástica.
Principais Resultados
Os resultados indicaram que os vermifiltros com Brachiaria foram superiores. A população de minhocas aumentou significativamente nos tratamentos com Brachiaria (SB, SBM e GBM), com contagens finais de até 20 minhocas por filtro, enquanto nos tratamentos com solo puro e solo com areia (SG) a população diminuiu, chegando a apenas uma minhoca no SG após 90 dias. A massa total das minhocas também foi maior nos filtros com Brachiaria, sugerindo condições mais favoráveis à reprodução e sobrevivência.
Na análise do efluente, o tratamento com areia e Brachiaria moída (GBM) apresentou a menor turbidez (179 ± 98 uT), comparada a 1.070 ± 204 uT no solo puro e 248 ± 132 uT no esgoto bruto. O pH do efluente variou entre 7,18 (GBM) e 7,50 (SBM), permanecendo próximo à neutralidade, ideal para reutilização não potável. A alcalinidade foi significativamente reduzida no tratamento GBM (169,3 ± 41,2 mg CaCO?/L) em relação ao esgoto bruto (308,2 ± 56,2 mg CaCO?/L), indicando processos de nitrificação. A condutividade elétrica variou de 972 ± 93 µS/cm (SG) a 1.212 ± 185 µS/cm (SB), estando dentro dos limites para irrigação (750 a 2.900 µS/cm, CETESB, 2006).
Figura 3 – Número de minhocas e peso total ao final de 90
dias de experimento.
O volume drenado foi maior nos filtros com Brachiaria nos primeiros 30 dias, estabilizando-se após 60 dias. Após 90 dias, o tratamento GBM apresentou diferença significativa em relação ao solo puro, sugerindo maior capacidade de retenção e filtração.
Discussão
A Brachiaria se destacou por promover o crescimento da população de minhocas, que desempenham um papel crucial na degradação de matéria orgânica e na aeração do sistema. A maior densidade de minhocas nos filtros com Brachiaria (SB, SBM, GBM) está associada a maior atividade microbiana, o que acelera a remoção de poluentes. A redução de turbidez no tratamento GBM (179 uT) indica maior eficiência na remoção de partículas, embora os resultados gerais de turbidez tenham sido menos expressivos que em estudos anteriores, como Sinha et al. (2008), que reportaram reduções acima de 90%. Isso pode ser atribuído a fatores como o comportamento das minhocas, a granulometria do substrato ou a taxa de aplicação do esgoto.
A neutralização do pH (7,18 a 7,50) nos filtros com Brachiaria favorece a reutilização do efluente para irrigação, pois mantém nutrientes como nitrato e fosfato em formas dissolvidas. A redução de alcalinidade no tratamento GBM sugere maior atividade de nitrificação, um processo biológico que consome alcalinidade. A condutividade elétrica, que aumentou nos tratamentos com Brachiaria entre 30 e 60 dias, reflete a atividade das minhocas, que granula partículas e aumenta a área de adsorção de compostos.
A Brachiaria, abundante em 80% das pastagens brasileiras (Embrapa, 2024), é uma alternativa econômica à serragem, que exige custos de aquisição e transporte. Sua utilização valoriza um recurso local, frequentemente descartado, promovendo a sustentabilidade social e ambiental. Contudo, o estudo aponta a necessidade de mais pesquisas para avaliar a remoção de nutrientes e contaminantes emergentes, como medicamentos, que são comuns em esgotos domésticos.
Conclusão
A pesquisa confirmou que a Brachiaria é um substrato eficiente para vermifiltros, aumentando a população de minhocas e melhorando a qualidade do efluente, com menor turbidez, pH neutro e condutividade adequada para irrigação. Essa tecnologia é especialmente vantajosa para áreas rurais, onde a infraestrutura é limitada. A vermifiltração com Brachiaria pode melhorar o saneamento, reduzir a poluição e permitir a reutilização do efluente, desde que respeitadas as normas locais.
Reflexão Final
Este estudo é um avanço significativo para enfrentar os desafios de saneamento em áreas rurais, onde milhões de pessoas carecem de soluções acessíveis. A vermifiltração com Brachiaria combina simplicidade, baixo custo e sustentabilidade, sendo uma tecnologia adaptável a comunidades com recursos limitados. O uso de materiais locais fortalece a economia circular e reduz a dependência de insumos externos, alinhando-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
No futuro, a expansão dessa tecnologia pode transformar a gestão de esgoto em regiões isoladas, melhorando a saúde pública e protegendo os recursos hídricos. Pesquisas adicionais sobre a remoção de contaminantes emergentes e a implementação em escala real serão cruciais para consolidar a vermifiltração como uma solução global. Investir nessas inovações é essencial para um futuro mais limpo e equitativo.
Andradina, 28 de Abril de 2025
José Henrique Pastorelli Junior
Engenheiro Ambiental
Mestre em Engenharia Civil (Recursos Hídricos, Energéticos e Ambientais)
Doutorando em Engenharia Civil (Saneamento e Ambiente)