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Na parede da cantina do Colégio Estadual Lyceu de Goiânia,
uma cartolina mostra os horários das refeições para os estudantes que ocupam a
escola desde dezembro do ano passado. São quatro: café da manhã, almoço, lanche
e jantar. Na última segunda-feira (18), o café que seria servido às 8h30
atrasou duas horas. “Passamos a manhã reunidos com os pais de alunos e alunos
que vieram buscar informações na escola”, explica Guilherme*, estudante do
ensino médio da escola e um dos primeiros ocupantes do lugar. As aulas
começariam na quarta-feira (20) e o clima era de incerteza. Nem os ocupantes
nem os pais sabiam o que aconteceria. Horas mais tarde, a secretária de
Educação do estado, Raquel Teixeira, anunciaria que o início das aulas seria suspenso nos colégios ocupados.
Tradicional na cidade, o Colégio Lyceu, localizado no centro
da capital, foi a terceira escola a ser ocupada por estudantes
secundaristas, no dia 11 de dezembro do ano passado. No total, 27 escolas estão
ocupadas no estado. A última, o Colégio Estadual Rui Barbosa, foi ocupada na
noite de sábado (23), segundo publicações feitas pelos estudantes no Facebook,
principal meio de comunicação do movimento.
Os alunos protestam contra o novo modelo de gestão proposto
pelo governo, que terceiriza a administração das escolas a entidades
filantrópicas, as organizações sociais (OS). Na prática, os repasses públicos
passam a ser feitos às entidades, que serão responsáveis pela manutenção das
escolas e por garantir melhor desempenho dos estudantes nas avaliações feitas
pelo estado. Elas podem inclusive contratar professores e funcionários.
“Não houve diálogo algum. Estamos lutando por melhorias na
educação. Estamos cansados de receber migalhas enquanto o dinheiro fica no
bolso dos grandes”, diz Guilherme, de 16 anos. Os estudantes pedem que o edital
de chamamento das OS, publicado no final do ano passado, seja revogado e que o
governo discuta o modelo com a comunidade escolar. “Em São Paulo, as ocupações deram certo, o que temos a
perder? Eles acreditaram. Vamos fazer isso porque acreditamos que vai dar
certo”, acrescenta.
Dia a dia
O movimento começou no dia 9 de dezembro com a ocupação, em
Goiânia, do Colégio Estadual José Carlos de Almeida (JCA), inativo desde 2014.
“Eu estudava no JCA quando ele foi fechado, primeiro foi a desculpa de uma
reforma, depois de que não havia alunos suficientes para manter a escola
funcionando. Eu estava viajando de férias, quando cheguei recebi a notícia de
que a escola tinha fechado e que eu seria transferida para o Lyceu”, conta
Narryra, 16 anos, uma das ocupantes. A reabertura do JCA também está na pauta
de reivindicação dos alunos.
No dia em que concedeu entrevista para a Agência Brasil,
Narryra visitava a ocupação do Lyceu pela segunda vez. Embora a mãe incentive a
participação dela no movimento, o pai acredita que é perigoso e proíbe a filha
de frequentar as escolas ocupadas. “Venho só de dia, não posso dormir”. Ao lado
de Narryra, Liz, 17 anos, ex-aluna do Lyceu, complementa: “Pais e alunos acham
que aqui é só bagunça, não é”. Recém saída do ensino médio, Liz acabava de
saber que foi aprovada em psicologia, na Universidade Federal de Goiás (UFG)
pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
A rotina das ocupações inclui a limpeza da escola, oficinas,
aulas públicas e eventos culturais que são divulgados pelo Facebook. As
ocupações visitadas não tinham mais de 30 alunos em cada, algumas tinham menos
de dez. A alimentação vem de doações da comunidade. Segundo os alunos, artistas
locais, professores e pais contribuem. Nas portas das escolas, vários cartazes
pedem recuo na implantação do modelo das OS e enfatizam: “Educação não é
mercadoria”.
No Colégio Estadual Bandeirante, estudantes aproveitaram
para mostrar como queriam a educação. Nos banheiros, colocaram cartazes que
asseguravam o uso por transexuais, conforme o gênero com o qual se identificam.
Embora a reivindicação principal seja a desistência da
implementação das OS, os estudantes usam as ocupações para expor outras
demandas, como melhorias na infraestrutura. O Bandeirante foi o colégio com as
piores condições físicas visitado pela reportagem, havia várias infiltrações,
tanto nos corredores quanto nas salas de aula. Diversas janelas estavam sem os
vidros e a pintura do prédio, descascando. A escola foi a penúltima a ser
ocupada, no dia 14 de janeiro.
“Por falta de verba, no ano passado, um dos professores
estava arrecadando dinheiro para a gente reformar a escola, para a gente mesmo
pintar nossas salas e ter um ambiente de ensino mais agradável. Algumas salas
conseguiram arrecadar, mas não teve reforma, faltou mobilização”, conta
Ranilson, 16 anos, que ocupa o Bandeirante, escola na qual estuda.
Nas ocupações, também há cuidado com os porta-vozes. Os
estudantes definem quem serão e há restrição de captação de imagens e dos nomes
a serem divulgados. Há estudantes do ensino superior, artistas e professores
universitários e da educação básica que frequentam os locais, mas quem fala
pelo movimento é sempre um secundarista, geralmente que estuda ou estudou na
escola. “A coisa mais importante é que não estamos filiados a nenhum partido
político. Ninguém fala de partido político aqui”, diz Luciano, 17 anos, do
Colégio Antensina Santana.
A escola, que fica em Anápolis, é uma das que está incluída
no primeiro projeto de administração das OS e deverá implantar mudanças na
gestão ainda este ano. No local, professores, funcionários e pais circulam
livremente. A escola funcionou normalmente no período de matrícula. A
imprensa, no entanto, está proibida de entrar. Luciano recebeu a reportagem da Agência
Brasil no portão do colégio. “Temos que ter cuidado, estamos sendo muito
pressionados”, diz.
Com o início das aulas, na última quarta-feira (20), a
pressão aumentou. A Secretaria de Educação, Cultura e Esporte (Seduce)
determinou que as aulas nas escolas ocupadas só começarão quando os espaços
forem desocupadas. A secretaria diz que pretende fazer uma vistoria nos locais.
O governo pediu à Justiça a reintegração de posse de todas
as unidades. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) decidiu pela desocupação de
três escolas públicas estaduais José Carlos de Almeida, Lyceu de Goiânia e
Robinho Martins de Azevedo. Os estudantes que foram notificados na última semana dizem que
vão recorrer da decisão.
“A escola é o lugar dos estudantes. Estamos saindo da nossa
zona de conforto e abrindo nossa boca. Estamos lutando pela educação, que é um
direito nosso”, diz Guilherme.
Organizações sociais
O projeto-piloto do novo modelo de gestão das escolas
começará por 23 unidades da Subsecretaria Regional de Anápolis, que compreende
também o entorno da cidade. As escolas que fazem parte do projeto-piloto ficam
nas cidades de Anápolis, Abadiânia, Alexânia, Nerópolis e Pirenópolis.3
“Eu vejo as ocupações com preocupação, claro. Embora,
estatisticamente, seja um número reduzido, a rede tem mais de 1,1 mil escolas,
se fosse apenas uma escola ocupada, eu me preocuparia do mesmo jeito”, diz a
secretária de Educação, Raquel Teixeira.
“Acho que há todo tipo de sentimento nessas ocupações, há os
legitimamente inseguros com as mudanças, há aqueles que se aproveitam para uma
briga política, às vezes ideológica, às vezes partidária, o que é legítimo e
acontece nos movimentos sociais. Recebo com respeito e tenho me colocado à
disposição para o diálogo”, garantiu a secretária.
O edital de chamamento das OS foi publicado no Diário
Oficial do estado no dia 30 de dezembro do ano passado. A abertura de envelopes
será feita no dia 15 de fevereiro.
Apesar de assegurar que está aberta para conversar com os
estudantes, professores e pais, a secretária afirmou que não suspenderá o
processo.
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