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Um
levantamento feito por 40 entidades de saúde e de educação do País mostra que,
no intervalo de um ano, o Sistema Único de São Paulo (SUS-SP) aumentou em 54,9%
a compra e a distribuição gratuita de metilfenidato (Ritalina é o nome
comercial), a chamada "droga da obediência".
O
medicamento é um estimulante cerebral usado, especialmente, em crianças do sexo
masculino com até 12 anos e que se enquadram nos sintomas de transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) .
A
doença é um dos problemas sociais mais estudados na atualidade, por psicólogos,
psiquiatras, pediatras, neurologistas e professores do mundo todo.
Não
foi só a rede pública paulista que registrou aumento da distribuição do fármaco
entre 2010 e 2011 – conforme mapeou o Fórum sobre Medicalização da Sociedade e
da Educação. Na rede de farmácias particulares o mesmo fenômeno é atestado.
Levantamento
feito pelo Sindusfarma, que reúne as drogarias do País, apontou que o
crescimento foi de 50% nas vendas no período de 4 anos. Entre setembro de 2007
e outubro de 2008 foram vendidas 1.238.064 caixas, enquanto entre setembro de
2011 e outubro de 2012 os números passaram para 1.853.930.
O
TDAH é um transtorno grave que afeta a parte do cérebro responsável pela concentração
e pelo controle dos impulsos e da agressividade. Em uma analogia, o
neurologista da Academia Brasileira de Neurologia, Marco Antônio Arruda,
explica que o cérebro é dividido em “aceleração, embreagem e breque, como um
automóvel”.
“Os
portadores de TDAH apresentam falhas na parte do breque”, compara o médico.
“São
crianças extremamente hiperativas, impulsivas, desconcentradas e que sofrem
muito com isso”, afirmou Arruda, que é um dos principais pesquisadores
nacionais do tema.
O
diagnóstico do TDAH é feito por meio de avaliação clínica, observando os
sintomas impostos pela doença. Por ora, não há um exame laboratorial, como
raio-X ou ressonância magnética por exemplo, capaz de apontar alterações
cerebrais que evidenciem a doença. Neste contexto, o uso da "droga da
obediência" não é uma unanimidade entre os especialistas.
Contra
e a favor
Na
divisão de opiniões, os defensores do remédio apontam que ele ameniza problemas
sérios e traumáticos vivenciados pelas crianças com TDAH. Para eles, o aumento
da entrega nas farmácias públicas e das vendas nas unidades privadas indica
acolhimento dos pacientes que antes ficavam distantes do tratamento.
“Não
raro, meninos e meninas com apenas 6 anos chegam ao meu consultório afirmando
que não querem mais viver, que não conseguem se relacionar na escola e na
vizinhança, vivendo em solidão absoluta”, afirmou Marco Antônio Arruda que
acaba de finalizar estudo que mapeou a incidência de déficit de atenção no
País.
Foram
avaliadas 8 mil crianças, entre 6 e 12 anos, de 18 Estados e 87 cidades
brasileiras. Na pesquisa – que teve apoio de universidades da Itália e dos
Estados Unidos – o índice de TDAH encontrado foi de 3,9%, montante que não
variou na comparação de renda e escolaridade dos participantes.
“É
uma parcela importante da população infantil que carece destes cuidados. Saber
que há um aumento do uso do medicamento pode indicar que os médicos estão mais
sensíveis em identificar e tratar estas crianças”, completa o psiquiatra e
doutorando pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Daniel Segenreich.
A
Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo também atribui o aumento da
distribuição da droga ao crescimento do número de diagnósticos. Em nota,
informou que a maior entrega "está associada também a ampliação do número
de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) no município. Eram 60 unidades em
2009 e 79 em 2012". Segundo a nota, só recebe o medicamento a criança que
tem diagnóstico respaldado por médicos especializados.
Já
parte dos estudiosos enxerga exagero na utilização do medicamento. Para os
integrantes do Fórum sobre Medicalização – entidade autora do levantamento
feito na rede pública paulista – a "droga da obediência" pode estar
sendo usada como muleta para curar comportamentos que podem ser apenas características
pessoais dos pacientes, como timidez, indisciplina ou dificuldade de
aprendizagem.
“Em nosso levantamento chamou atenção o aumento em progressão geométrica da distribuição deste medicamento. Não há nenhum fato concreto na saúde pública paulista que justifique os números (em cinco anos, a elevação foi de 30 vezes)”, avalia a presidente do Conselho de Psicologia de São Paulo, Carla Biancha Angelucci, que é membro do Fórum de Medicalização.
“Vivemos
em uma sociedade que convive com um sistema de educação com pouca qualidade.
Ainda assim, é esperado que a criança aprenda em um determinado tempo e
velocidade e apresente um tipo de comportamento. Se ela foge disso, acaba
enquadrada como portadora de uma doença”, afirma Carla.
“Oferecer
um medicamento para uma criança sem um debate honesto e amplo sobre a qualidade
da escola, a participação da família neste processo é individualizar o
problema. É culpar a criança pelas situações que ela enfrenta e acreditar que a
solução está em uma pílula.”
Para
a pediatra do Hospital São Luiz, Alessandra Cavalcante, para avaliar o
comportamento dos filhos é preciso antes olhar a postura dos pais.
"Identificar
que uma criança não respeita limites exige atentar se os pais, de fato, estão
impondo limites para esta criança."
O
neurologista Marco Antônio Arruda concorda que o diagnóstico do TDAH precisava
avaliar todo o contexto em que o paciente está inserido, mas rebate a ideia de
excesso de medicamentos com um dado encontrado em seu estudo:
“Da
parcela com diagnóstico claro e preciso de déficit de atenção, só 13% estavamem
tratamento. Como falar em excesso se quase nove em cada dez crianças estão sem
acesso aos remédios?”, questiona.
Cérebro
dopado
Na
discussão sobre excessos e deficiências do uso do medicamento para o TDAH, é
consenso que há espaço para debater a utilização errada e perigosa da droga. A
psicóloga do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), Silmara Batistela, estudou o uso deturpado do metilfenidato.
Segundo
ela, há adultos e adolescentes utilizando por conta própria as drogas, com a
falsa ideia de melhorar o desempenho em provas, concursos públicos e no
trabalho. Tanto que a “droga da obediência” também já foi apelidada de “droga
do concurseiro” e “droga do executivo”.
“Neste
cenário, recrutamos jovens, a maioria universitário, para avaliar se o fármaco
traria impacto positivo no desempenho cognitivo (inteligência). Fizemos a
avaliação de 36 jovens, com acompanhamento médico minucioso, que faziam avaliações
com e sem a medicação. Detectamos que o efeito na melhora da inteligência é
nenhum”, divulgou Silmara.
“Ao
contrário. Estes usuários, por não apresentarem nenhum problema cerebral e
mesmo assim usarem uma droga que altera o cérebro, podem ter a memória
comprometida, problemas cardíacos sérios e sofrer desmaios”, alertou a
psicóloga.
“Agora,
quem convive com este problema cerebral é beneficiado pelo medicamento.”
Para
o psiquiatra Segenreich, a única forma de acabar com o debate sobre excessos e
carências do remédio para o TDAH é atuar em duas frentes.
“O
mau uso das medicações deve ser combatido com veemência. Mas deixar os
pacientes que precisam sem medicação é um erro tão grave como não fiscalizar
quem utiliza de forma inadequada.”
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