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Segundo levantamento feito pelo iG Saúde no banco virtual do
Ministério da Saúde, de 2008 a 2010, em média, duas mulheres de 20 a 39 anos
são internadas por dia vítimas de infarto. Para tal faixa etária, a dobradinha
entre pílula e cigarro, associada à pré-disposição genética, são os principais
gatilhos da doença. As informações são do portal IG.
Ana Carina Perez deu entrada no hospital Santa Catarina, na zona
sul de São Paulo, no dia 3 de março deste ano com a expectativa de vida
reduzida a uma estatística trágica: apenas 1% de chance de sobrevivência,
número revelado pelo plantonista que a socorreu. Aos 31 anos, a dona de um
famoso bar na Vila Mariana, na zona sul da capital, tinha sofrido um infarto. A
artéria principal do coração ficou obstruída por um coágulo, impedindo a
passagem do sangue.
No inconsciente coletivo, 1% é praticamente nada, quase zero. O
pessimismo involuntário da estatística, quando invade a medicina, é ainda mais
assustador. Na contramão da probabilidade, porém, algumas histórias de quase
morte sobrevivem e resultam em alerta, trazendo à tona velhas e bombásticas
combinações que podem ser fatais à saúde da mulher jovem.
Em um dia normal de trabalho, Ana Carina começou a sentir uma
forte dor nos ombros. Inicialmente, achou que tivesse apenas sofrido uma leve
torção, mau jeito, após um movimento brusco. Em seguida, além da dor, passou a
ter fraqueza e tontura.
“Já passava das 14 horas, eu tinha acabado de apagar um cigarro, e
estava sem comer desde o café da manhã.” O diagnóstico caseiro de pressão baixa
a fez comer uma azeitona na tentativa de solucionar o desconforto.
Pouco tempo depois, aos sintomas somava-se a forte dor no peito e
a confirmação do infarto. Em menos de 20 minutos depois de dar entrada na
emergência do hospital, ela já estava no que define como “salinha do terror”,
local onde foi preparada antes de ser encaminhada ao centro cirúrgico para
fazer um cateterismo.
“Ouvi o médico falar que eu não tinha tempo, era preciso correr.
Nessa sala, foi tudo muito rápido, eu tentava ajudar a tirar a minha roupa, o
brinco, mas não podia fazer esforço algum. Só tomava bronca por me mexer.
Estava encharcada de suor, chorava descontroladamente e até me despedi do meu
pai.”
Carina recebeu apenas a anestesia local e assistiu ao procedimento
pelo monitor da sala de cirurgia. Na opinião da paciente, foi a melhor maneira
de se assegurar de que permaneceria viva.
"Consegui me acalmar, pensava na minha família, na praia, em
coisas boas. Não queria ser sedada de forma nenhuma, temia ver a luz, Deus, ou
qualquer coisa parecida. "
Coração imaturo
Em pacientes jovens, o risco do infarto ser fulminante é alto,
revela Alessandro Aparecido Machado, cardiologista do hospital, e um dos
responsáveis pela cirurgia de emergência realizada em Carina. Embora desconheça
estatísticas da mortalidade do infarto nesse público, explica que o atendimento
bem feito, ágil, consegue reverter 70% dos casos.
“O infarto na parede dessa artéria, como ocorreu com a Ana Carina,
costuma ser bem grave. Quanto mais cedo abrimos a artéria e fizermos o
cateterismo, melhor o prognóstico. Na medicina, tempo é músculo", diz o
médico.
Nessa faixa de idade, o problema também tende a ser mais complexo.
Os especialistas explicam que o jovem tem menos circulação colateral, processo
no qual pequenas artérias, normalmente fechadas, se abrem e irrigam os grandes
vasos, servido como uma alternativa breve ao suprimento de sangue.
O rápido atendimento dado a jovem foi essencial para que 1%
bastasse. Alexandre de Mira, também
cardiologista do Santa Catarina, revela que embora Ana Carina tenha sido a
paciente infartada mais jovem atendida pelo hospital, o número de casos
similares é crescente no Brasil, a maioria provocado devido ao consumo de
cigarro e herança familiar.
"Os jovens que fumam estão mais preocupados com o pulmão do
que com o coração. A informação existe, mas não há campanhas nacioanais que
reforcem os riscos de infarto, independente da idade."
Contexto bombástico
Mesmo sabendo que sua avó faleceu por problemas cardíacos aos 26
anos, Ana Carina não se via como possível estatística. Além da herança
familiar, do uso da pílula – por mais de 10 anos – como método contraceptivo, a
empresária tinha o cigarro, há uma década, como um companheiro, alívio imediato
do estresse.
“Adorava fumar, mas não era compulsiva. No dia a dia, fumava, em
média, 12 cigarros. Nunca tinha pensando em parar, tampouco tentado. Sempre
falei que só deixaria o tabaco para engravidar.”
Além da trinca de fatores, o contexto de vida era pouco favorável
à saúde. Em um pique super intenso de trabalho, a dona de bar tinha poucas
horas de sono e nenhum espaço para praticar uma atividade física. Magra e
avessa às tradicionais paranóias com regimes, ela cuidava da alimentação sem
problemas com a balança – comia frutas, legumes, mas nunca com horário regrado
para fazer as refeições. "Era saudável na medida do possível, mas nunca
tive nenhuma doença."
Cardíaca
O evento foi uma espécie de choque anafilático na família e nos
amigos. Hoje, ainda em recuperação, ela parou de fumar, dedica tempo e cuidados
à alimentação, reduziu drasticamente a carga horária no trabalho e está, obrigatoriamente,
mais caseira do que nunca. Espera a fase delicada passar para assumir de vez a
nova vida e retomar a natação, esporte que praticou até os 16 anos, ou
encontrar uma modalidade compatível com as limitações.
Para reforçar a mudança de vida, a mãe da jovem também abandonou o
cigarro. As duas estão usando adesivo de nicotina para ajudar no processo. Seu
coração ganha força aos poucos, mais ainda não pode se emocionar. No dia da
entrevista à reportagem, o bar de Carina concorria a um prêmio em um evento
tradicional do setor.
"Não posso viver a alegria de ganhar o prêmio. Queria ir ao
evento, mas é contra a recomendação médica. Meu coração não pode passar por
isso agora. Tenho que mentalizar outra coisa e esquecer essa emoção boa. Nesse
momento, não dá nem para me apaixonar", brinca.
A história fez com que Carina virasse, em seu círculo de amizades, a única "amiga infartada”, título que ela carrega com bom-humor e como um alerta constante. “Fui muito abençoada. Tive muita sorte naquele dia. Os médicos, o farol aberto no caminho, a ajuda de meu pai, tudo foi fundamental para que eu sobrevivesse. O que passei me faz dar ainda mais valor à vida. Agora todo mundo viu que o problema não é tão distante quanto parece. Quem está dentro dos fatores de risco, sou o exemplo de que fundamental mudar rápido de postura.”
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