Fracasso do viagra feminino pode reforçar estereótipos

Quando os esforços mais bem-sucedidos
até agora no controverso caminho da criação de um medicamento que ficou
conhecido como “viagra feminino” foram abandonados no início deste mês pela
farmacêutica que apostava em sua aprovação, não foram poucos os que
comemoraram. Com informações do Portal IG.
Leonore Tiefer, professora da New
York University que liderou o movimento contra a nova pílula, por exemplo,
escreveu ao jornal “The New York Times” celebrando o que considera uma vitória
contra uma “farsa de mais de uma década”. Mas além das questões práticas a
respeito da aprovação do medicamento – entre elas, as provas de que a pílula
estudada pela Boehringer realmente conseguiria aumentar o desejo, e de que os
efeitos colaterais valeriam a pena, por exemplo – existe entre detratores,
incentivadores e simples observadores um debate mais profundo a respeito do
comportamento sexual feminino: há 50 anos, uma pílula mudou tudo. Mas quanto um
novo comprimido realmente faria diferença quando se fala de desejo?
Um dos poucos consensos entre os que
apostam na pílula e os que não podem ouvir falar dela é a preocupação com o
risco de que a ideia de que a sexualidade feminina é muito mais complexa e
misteriosa que a do homem volte a ser corrente. Para muitos, essa visão não tem
necessariamente um respaldo real e pode atrapalhar mulheres e casais a se
entenderem melhor, reforçando tabus. “A sexualidade, feminina ou masculina, não
pode ser padronizada e normatizada. É complexa para os dois. Mas isso não
significa que deva ser complicado para homens ou mulheres exercerem sua
sexualidade e se conhecerem”, diz a psiquiatra Ana Paula Martinez. “A
dificuldade enfrentada pela indústria no lançamento desta pílula, comparada à
aparente simplicidade dos facilitadores de ereção, pode sim reforçar a ideia de
que o sexo feminino é um mistério, e isso não ajuda ninguém”.
“Não se trata de ser a fisiologia
feminina mais complexa. Trata-se de serem problemas diferentes em fisiologias e
anatomia diferentes”, diz o psicólogo Oswaldo Rodrigues, presidente do Instituto
Paulista de Sexualidade. Ele lembra que a pílula masculina não afeta o desejo
do paciente – embora isso possa acontecer de forma secundária -, apenas age na
fisiologia da ereção. O que simplesmente não se aplica às mulheres, sem
implicar em nenhuma “complicação” da parte delas. “No caso das mulheres, não
existe uma maioria com problemas de excitação, mas queixas de falta de orgasmos
ou de desejo sexual”, afirma.
Com ou sem pílula
Na opinião de Oswaldo, “se existir
uma causa biológica, como falta de substâncias químicas, uma medicação serviria
para produzir o desejo em falta”, mas isso não se aplicaria às mulheres que
sofrem com a falta de orgasmo, por exemplo, ou que buscam no sexo outras
finalidades além do sexo em sim, como intimidade, por exemplo. De qualquer
forma, no centro da questão o que continua é a identidade sexual feminina. Para
o presidente do Instituto Paulista de Sexualidade, a maior fonte de problemas
desta área para as mulheres hoje está exatamente em “compreenderem-se sexuais”.
"Eu diria que um medicamento que
tivesse efeito real sobre a sexualidade da mulher equivaleria à pílula
contraceptiva. Mas a mulher que não se percebe, não se identifica com sexo, não
tomará este medicamento que venha a ser colocado no mercado. Diferente dos homens,
que mesmo sem desejo sexual tentavam o medicamento, pois capacitar-se para sexo
é sentido como parte da identidade masculina”, diz.
"A mulher precisa ter uma visão
de mundo que coloque o sexo, suas expressões e variações como prioridade em
suas vidas. As pesquisas das últimas décadas mostram que elas preferem comprar
um carro, viajar ou comprar um sapato novo a fazer sexo... Sem prioridade não
se desenvolve o desejo por sexo, nem os comportamentos sexuais”.