É só digitar ‘tempestade solar’ em uma guia de busca ou em qualquer rede social que os resultados começam a surgir de forma pouco animadora. São conteúdos que tratam desse fenômeno científico como uma ameaça à internet e aos canais de telecomunicações, afirmando que o risco é de um apagão universal. Deixando de lado o exagero típico de filme de cenário apocalíptico, existe uma explicação por trás de tudo isso.
“As tempestades solares são explosões súbitas de energia, partículas, campos magnéticos e material ejetado pelo Sol. Podem ser erupções solares (flares) que atingem a Terra em oito minutos, dado que viajam à velocidade da luz; tempestades de radiação (radiation storms) que ejetam prótons e elétrons a altas velocidades para o espaço e que chegam em cerca de 30 minutos até nós; e, finalmente, ejeções de massa coronal (EMCs), que podem levar de horas a dias para nos atingir”, detalha o físico Márcio José Teixeira, docente da Faculdade de Tecnologia da Universidade Estadual de Campinas (FT/Unicamp).
Teixeira é doutor em Sistemas de Informação e Comunicação, também pela Unicamp, e atuou por 18 anos em empresas de sistemas de comunicações móveis e Internet das Coisas (IoT, sigla inglesa para Internet of Things). Ele tranquiliza que, apesar de existir um impacto, os sistemas de comunicações terrestres e por satélites são normalmente desenhados com resiliência a falhas e redundâncias de rotas. “Alguma interrupção temporária e localizada pode ser observada, mas não creio que ocorra um apagão permanente no mundo todo”, afirma.
É que cada um dos tipos de atividades citadas tem um efeito diferente. “As erupções solares e as tempestades de radiação podem interromper sistemas pela ação direta em componentes eletrônicos e danos aos painéis solares, principalmente em satélites. As comunicações de rádio em HF [alta frequência] e os sistemas de navegação podem ficar severamente comprometidos graças à interferência eletromagnética causada por esse fenômeno”, explica o professor.
As EMCs carregam fortes campos magnéticos que podem induzir correntes indesejadas em sistemas de distribuição de energia, levando-os a sobrecarga. Fora isso, as ejeções de massa coronal aquecem a alta atmosfera terrestre, alterando a órbita de satélites e podendo até danificar os painéis que os alimentam.
Grandes ocorrências do passado, como o apagão do sistema elétrico de Quebec, no Canadá, em 1989, provocado por uma tempestade geomagnética resultante de uma forte EMC, e o Evento Carrington, de 1859, o maior registro histórico de ação solar, que chegou a deixar redes de telégrafos inoperantes, são exemplos do potencial risco. “Mas devem-se considerar alguns fatos adicionais”, argumenta Teixeira. Segundo ele, a tempestade solar precisa estar apontada diretamente para a Terra.
“Em segundo lugar, o Sol tem um período de rotação sobre seu eixo de uns 27 dias aproximadamente - digo aproximadamente porque o Equador gira mais rápido que os polos. Ou seja, depois de algumas horas, a perturbação não estará mais apontando diretamente para cá. A não ser que seja generalizada em toda a superfície solar”, complementa o docente da FT/Unicamp. Não há motivo de alarme graças à ionosfera, camada da atmosfera composta por cargas elétricas (íons e elétrons), que protege o planeta dos danos. O resultado é até encantador, com a aurora boreal.
"Alguma interrupção temporária e localizada pode ser observada, mas não creio que ocorra um apagão permanente no mundo todo."
Prof. Dr. Fís. Márcio José Teixeira
Já na Engenharia, a atenção se volta para antecipar os movimentos do astro rei, pois a previsibilidade é o que permite que os sistemas sejam preparados. “É fundamental entender que o Sol é uma estrela com intenso campo magnético que interage com o seu plasma. Essa interação é caracterizada por variações cíclicas de aproximadamente 11 anos, apresentando períodos de mínima e máxima atividade. Compreender essa dinâmica e sua capacidade de interferir em nossas redes de telecomunicações e de distribuição de energia elétrica permite que possamos preparar estas infraestruturas, tornando-as mais robustas às interferências solares e de seus efeitos em nosso campo geomagnético”, pontua a Eng. Eletric. e Eng. Telecom. Érica Alves de Oliveira, integrante do Comitê Gestor do Programa Mulher do Crea-SP.
"Melhores blindagens e a redundância de sistemas são adotadas para que, em caso de falhas, sistemas alternativos possam assumir e continuar a operação dos satélites."
Com mestrado em Engenharia de Telecomunicações na área de Sistemas de Navegação Global por Satélite (GNSS) pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), ela conta que as ondas eletromagnéticas em frequências específicas utilizadas em telecomunicações e navegação sofrem ação da ionosfera a depender da quantidade de agitação eletrônica presente nesta camada da atmosfera. A ionosfera é um meio anisotrópico para ondas eletromagnéticas. Quando a densidade eletrônica neste meio anisotrópico é afetada pelo campo geomagnético terrestre, que, por sua vez, é afetado pelas EMCs, pode haver, sim, atrasos e degradação de sinais, tais como os de serviços de GNSS, causando erros no cálculo da posição GPS, afetando sistemas de navegação aérea, aparelhos de agricultura de precisão e serviços de localização urbana.
Por outro lado, o estudo do Sol e os avanços recentes têm possibilitado a elaboração de ações mitigatórias. “A Engenharia tem tratado este tema com investimentos em pesquisa e no desenvolvimento de trabalhos com foco no monitoramento, observação e entendimento da dinâmica solar e geomagnética, buscando conhecimentos cada vez mais robustos sobre o clima espacial e a sua interação com o nosso planeta”, menciona a engenheira.
Ela ressalta que hoje existem observatórios no Brasil e ao redor do mundo, como o Rádio Polarímetro Solar (RaPoSo), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que realizam estudos cruciais. “Também temos sensoriamento remoto no monitoramento da ionosfera e da magnetosfera. Satélites tais como o GOES-U da NASA e o Solar Dynamics Observatory (SDO) da ESA monitoram explosões solares, tempestades solares, a dinâmica da coroa solar e EMCs, fornecendo dados atualizados e também em tempo real.”
Outra frente é o Centro de Previsão do Clima Espacial (Space Weather Prediction Center), ligado ao NOAA (Administração Oceânica e Atmosférica dos EUA), que apresenta em boletins diários a previsão do tempo no espaço.
Esse trabalho ajuda a proteger as infraestruturas críticas, permitindo a adoção de medidas preventivas, enquanto os avanços tecnológicos levam os equipamentos de satélites e toda sua rede a serem construídos com componentes eletrônicos menos sujeitos às radiações eletromagnéticas e partículas oriundas do Sol. “Melhores blindagens e a redundância de sistemas são adotadas para que, em caso de falhas, sistemas alternativos possam assumir e continuar a operação dos satélites. Informações obtidas a partir de dados da dinâmica solar são utilizadas para que operadores em estações terrestres possam desligar sistemas não essenciais antes das EMCs, mitigando efeitos desastrosos”, finaliza Érica.