Professor vê preconceito em cobertura de tragédia em Comores

Professor vê preconceito em cobertura de tragédia em Comores

Seja no oceano Atlântico ou no Índico, 137 franceses perderam a vida em um acidente de avião em menos de um mês - 72, dos quais 11 eram da tripulação, no voo AF 447 da Air France, e 65 no voo IY 749 da Yemenia. No entanto, esta segunda tragédia, que deixou como saldo um número vítimas semelhante à primeira, não suscitou a mesma comoção no país. E o motivo, lamenta Jérémie Gandin, da Escola Superior de Jornalismo, é o que pode ser definido no mínimo como preconceito.

"Infelizmente, no imaginário dos franceses, um francês de origem comoriana parece ser menos francês do que um que nasceu em Paris. É triste. Como os passageiros eram todos negros, parece que a França e a mídia francesa se interessam menos por essas vítimas, sendo que, na verdade, eles são igualmente compatriotas", afirma o professor, especialista em televisão e titular da escola que uma das mais respeitadas na formação de comunicadores no país.

Ao longo da terça-feira, dia do segundo acidente, os telejornais não gastaram mais do que dez minutos para falar da catástrofe, mesmo que mais do que um terço das 152 vítimas fosse de nacionalidade francesa. Nos sites dos principais jornais, como o Le Monde ou o Libération, o acidente, por poucos instantes, ocupou os espaços de maior destaque, como a manchete. O interesse era nitidamente menor, se comparado ao vôo proveniente do Brasil.

No acidente da Air France, ao contrário, a mídia francesa não falou de outro assunto durante diversos dias consecutivos. Tal como na imprensa brasileira, na França todas as abordagens relativas ao acidente - investigações, causas, localização de destroços e corpos, famílias de vítimas ou indenizações - recebiam atenção especial.

O fato de este novo drama não envolver uma companhia aérea francesa e de o acidente ter ocorrido no último percurso de um trajeto com três escalas influencia a cobertura menos intensa. Resta saber o quanto pesa o fato de os 65 mortos serem humildes, de origem africana, e em sua maioria habitantes da periferia de Paris ou, principalmente, Marselha. A cidade litorânea abriga a segunda maior comunidade imigrante e muçulmana do país.

Nos debates televisivos que se sucederam a esta segunda tragédia, o tema da segurança aérea imperou. A França se exime de toda a responsabilidade na queda da aeronave, uma vez que os passageiros que tinham como destino a capital do Comores, Moroni, trocaram de aeronave tão logo pousaram pela primeira vez além do espaço europeu, no Iêmen. Em Sanaa, os passageiros deixaram o avião no qual partiram de Paris, um Airbus A330-200, e embarcaram em um Airbus A310, cujas condições de segurança estavam sob suspeita desde 2007, quando a aeronave foi proibida de sobrevoar a Europa.

Mesmo que as responsabilidades não sejam as mesmas que as implicadas no vôo entre Rio de Janeiro e Paris, a comunidade comoriana vem pedindo, desde que o acidente se confirmou, que a França se engaje com o mesmo vigor na busca por corpos ou pelas caixas-pretas da aeronave. Por enquanto, mergulhadores e um número incerto de navios e helicópteros foram postos à disposição no local e estão auxiliando nas buscas, junto com um apoio norte-americano. O número de mergulhadores americanos é maior do que os franceses: são 15 dos Estados Unidos e nove da França.

O presidente francês, Nicolas Sarkozy, prometeu comparecer a uma cerimônia em homenagem às vítimas, que acontecerá no final da tarde de hoje na Grande Mesquita de Paris.

Sobrevivente causou comoção Em meio a tanto desânimo na cobertura jornalística, uma história enfim desperta a mídia francesa: a única sobrevivente do drama era uma adolescente francesa: Bahia Bakira. Os relatos de seu pai, Kassim Bakira, ocuparam o espaço que o acidente, sozinho, não tinha conseguido atingir.

"Foi o evento que de fato despertou a França para a história", atesta Gandin. "A partir de então, todos quiseram saber sobre o milagre que aconteceu com a jovem francesa."

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