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Pesquisadores das universidades de São Paulo (USP) e do Chile desenvolveram uma ferramenta on-line de georreferenciamento que facilita a vigilância de epidemias, como a de COVID-19, ao permitir visualizar a geolocalização ao longo do tempo de casos de infecção, de óbito ou de pessoas vacinadas contra a doença no Brasil. Dessa forma, a plataforma possibilita aos gestores de saúde rastrear surtos ou a distribuição de vacinas em diferentes níveis, como em um Estado, cidade, bairro, rua e até mesmo em um edifício residencial.
Desenvolvida com apoio da FAPESP, a ferramenta, batizada de Outbreak, está disponível gratuitamente e foi descrita em um artigo publicado na plataforma arXiv, ainda sem revisão por pares.
“A ferramenta foi criada para facilitar a visualização de dados epidemiológicos por gestores de saúde e, desse modo, ajudá-los a identificar de forma dinâmica mudanças na evolução da epidemia, como aumento do número de infectados em uma região, rastrear surtos em tempo real e tomar decisões para minimizar os efeitos”, diz à Agência FAPESP Helder Nakaya, vice-diretor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF-USP) e coordenador do projeto.
Nakaya é um dos pesquisdores principais do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID) - um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP.
De acordo com o pesquisador, já existem painéis epidêmicos baseados na web que exibem conjuntos de dados de vigilância da pandemia de COVID-19, como os construídos pelas universidades Harvard, Johns Hopkins e de Virgínia, dos Estados Unidos, e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Embora a maioria use dados de código aberto, eles são executados em plataformas proprietárias, que muitas vezes são caras e difíceis de construir e requerem conhecimentos computacionais específicos. Além disso, não permitem que os usuários insiram dados.
A fim de superar essas limitações, a plataforma Outbreak permite que até mesmo usuários não especialistas insiram dados de maneira mais conveniente e em uma plataforma mais amigável.
“Qualquer conjunto de dados, como os fornecidos pela OMS, Ministério da Saúde, secretarias estaduais ou coletados por uma Unidade Básica de Saúde [UBS], pode ser inserido na ferramenta para ser visualizado de forma dinâmica, por meio de mapas e animações, e com representação gráfica da linha do tempo e a geolocalização dos casos de infecção, morte ou de vacinação, por exemplo”, afirma Nakaya.
No site da ferramenta há um tutorial em texto e em vídeo com uma descrição detalhada de como usá-la.
Os dados a serem inseridos na ferramenta devem ser disponibilizados em um arquivo de texto delimitado por tabulação, como uma planilha de Excel, com colunas fixas com as indicações das coordenadas geográficas (latitude e longitude), data e casos de pessoas infectadas, mortas ou vacinadas contra a COVID-19, por exemplo.
Com base nesses dados, os tomadores de decisão e epidemiologistas podem verificar a evolução geográfica dos casos ao longo do tempo e classificá-los por critérios como etnia, sexo e idade, entre outros.
Para tornar os conjuntos de dados graficamente claros para exploração, a ferramenta permite que os usuários apliquem cores diferentes para cada variável de interesse e utilizem o recurso de zoom para terem uma visão mais refinada.
“Um gestor de uma UBS pode inserir na ferramenta uma planilha com o endereço de pessoas diagnosticadas ou vacinadas contra a COVID-19 em sua região de atuação, por exemplo, e verificar por meio da plataforma onde estão surgindo mais novos casos da doença ou onde tem menos pessoas vacinadas e enviar agentes de saúde para intervir in loco”, diz Nakaya.
Epidemiologia digital
Além de auxiliar no acompanhamento de epidemias, a Outbreak pode ser usada para lidar com qualquer tipo de dado e estudo, como populacionais e de migração animal.
A ferramenta é um dos meios que têm sido utilizados pelos pesquisadores do Laboratório de Biologia de Sistemas Computacionais da FCF-USP, dirigido por Nakaya, para desbravar uma área de estudos denominada epidemiologia digital. O novo campo é caracterizado pela incorporação de tecnologias digitais para analisar fatores que determinam a frequência e a distribuição de casos de doenças.
Por meio do histórico de localização de telefones celulares, os pesquisadores do laboratório analisaram padrões de mobilidade durante a pandemia de COVID-19 no Brasil e para monitorar, em tempo real, a adesão da população às medidas de distanciamento social.
“Por meio desses dados, que são fornecidos pelos proprietários dos telefones celulares de forma voluntária, é possível correlacionar a mobilidade com a transmissibilidade da doença”, diz Nakaya.
Mais recentemente, dois estudantes de doutorado do laboratório iniciaram um projeto em que analisaram os assuntos mais buscados no Google no início da pandemia de COVID-19 no Brasil e na segunda e terceira ondas da doença no país.
As análises, ainda não publicadas, revelaram que no início da pandemia no país, em março de 2020, os assuntos mais procurados pela população brasileira eram sobre atividades para fazer em casa, como aprender a tocar um instrumento musical, um idioma e a costurar ou cozinhar. Com o avanço da pandemia, as buscas por esses temas foram diminuindo progressivamente.
“Quando começaram a surgir os primeiros casos de morte pela doença no Brasil, as pessoas começaram a buscar realmente coisas para fazer em casa. Já na segunda e terceira onda de casos, diminuiu muito o interesse por atividades para se entreter em casa e aumentou a circulação de pessoas nas ruas”, afirma Nakaya.
Também foram analisados dados do número de carros que passaram por pedágios no início e após a evolução da doença no país. As análises indicaram que, no começo da pandemia no país, diminuiu muito a circulação de carros no país, e depois de um tempo os veículos começaram a circular pelas estradas nos mesmos níveis de antes.
“A ideia é que esses dados obtidos por meio de tecnologias digitais possam ser traduzidos pelos gestores de saúde em ações para o controle da epidemia”, diz Nakaya.
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