“O
ambiente escolar me dá fobia, taquicardia, ânsia de vômito. Até os enfeites das
paredes me dão nervoso. E eu era a pessoa que mais gostava de enfeitar a
escola. Cheguei a um ponto que não conseguia ajudar nem a minha filha ou ficar
sozinha com ela. Eu não conseguia me sentir responsável por nenhuma criança. E
eu sempre tive muita paciência, mas me esgotei.”
O
relato é da professora Luciana Damasceno Gonçalves, de 39 anos. Pedagoga,
especialista em psicopedagogia há 15 anos, Luciana é um exemplo entre milhares
de professores que, todos os dias e há anos, se afastam das salas de aula e
desistem da profissão por terem adoecido em suas rotinas.
Para
o pesquisador Danilo Ferreira de Camargo, o adoecimento desses profissionais
mostra o quanto o cotidiano de professores e alunos nos colégios é
“insuportável”. “Eles revelam, mesmo que de forma oblíqua e trágica, o contraste
entre as abstrações de nossas utopias pedagógicas e a prática muitas vezes
intolerável do cotidiano escolar”, afirma.
O
tema foi estudado pelo historiador por quatro anos, durante mestrado na
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Na dissertação O
abolicionismo escolar: reflexões a partir do adoecimento e da deserção dos
professores , Camargo analisou mais de 60 trabalhos acadêmicos que
tratavam do adoecimento de professores.
Camargo
percebeu que a “epidemia” de doenças ocupacionais dos docentes foi estudada
sempre sob o ponto de vista médico. “Tentei mapear o problema do adoecimento e
da deserção dos professores não pela via da vitimização, mas pela forma como
esses problemas estão ligados à forma naturalizada e invariável da forma
escolar na modernidade”, diz.
Luciana
começou a adoecer em 2007 e está há dois anos afastada. Espera não ser colocada
de volta em um colégio. “Tenho um laudo dizendo que eu não conseguiria mais
trabalhar em escola. Eu não sei o que vão fazer comigo. Mas, como essa não é
uma doença visível, sou discriminada”, conta. A professora critica a falta de
apoio para os docentes nas escolas.
“Me
sentia remando contra a maré. Eu gostava do que fazia, era boa profissional,
mas não conseguia mudar o que estava errado. A escola ficou ultrapassada, não
atrai os alunos. Eles só estão lá por obrigação e os pais delegam todas as
responsabilidades de educar os filhos à escola. Tudo isso me angustiava muito”,
diz.
Viver
sem escola: é possível?
Orientado
pelo professor Julio Roberto Groppa Aquino, com base nas análises de Michel
Foucault sobre as instituições disciplinares e os jogos de poder e resistência,
Camargo questiona a existência das escolas como instituição inabalável. A
discussão proposta por ele trata de um novo olhar sobre a educação, um conceito
chamado abolicionismo escolar.
“Criticamos
quase tudo na escola (alunos, professores, conteúdos, gestores, políticos) e,
ao mesmo tempo, desejamos mais escolas, mais professores, mais alunos, mais
conteúdos e disciplinas. Nenhuma reforma modificou a rotina do cotidiano
escolar: todos os dias, uma legião de crianças é confinada por algumas (ou
muitas) horas em salas de aula sob a supervisão de um professor para que possam
ocupar o tempo e aprender alguma coisa, pouco importa a variação moral dos
conteúdos e das estratégias didático-metodológicas de ensino”, pondera.
Ele
ressalta que essa “não é mais uma agenda política para trazer salvação
definitiva” aos problemas escolares. É uma crítica às inúmeras tentativas de
reformular a escola, mantendo-a da mesma forma. “A minha questão é outra: será
possível não mais tentar resolver os problemas da escola, mas compreender a
existência da escola como um grave problema político?”, provoca.
Na
opinião do pesquisador, “as mazelas da escola são rentáveis e parecem se
proliferar na mesma medida em que proliferam diagnósticos e prognósticos para
uma possível cura”.
Problemas
partilhados
Suzimeri
Almeida da Silva, 44 anos, se tornou professora de Ciências e Biologia em 1990.
Em 2011, no entanto, chegou ao seu limite. Hoje, conseguiu ser realocada em um
laboratório de ciências. “Se eu for obrigada a voltar para uma sala de aula,
não vou dar conta. Não tenho mais estrutura psiquiátrica para isso”, conta a
carioca.
Ela
concorda que a estrutura escolar adoece os profissionais. Além das doenças
físicas – ela desenvolveu rinite alérgica por causa do giz e inúmeros calos nas
cordas vocais –, Suzimeri diz que o ambiente provoca doenças psicológicas. Ela,
que cuida de uma depressão, também reclama da falta de apoio das famílias e dos
gestores aos professores.
“O
professor é culpado de tudo, não é valorizado. Muitas crianças chegam cheias de
problemas emocionais, sociais. Você vê tudo errado, quer ajudar, mas não
consegue. Eu pensava: eu não sou psicóloga, não sou assistente social. O que eu
estou fazendo aqui?”, lamenta.