Quem
prestar vestibular no fim deste ano já poderá ser afetado pela Lei das Cotas,
aprovada anteontem pelo Senado. O texto vai ser sancionado pela presidente
Dilma Rousseff em até 15 dias e passará a valer assim que for publicado. As
universidades federais terão até quatro anos para se adaptar às novas regras,
mas até um ano para adotar ao menos 25% do que a lei prevê - ou seja, terão de
implementar o novo modelo de cotas em uma escala menor. Reitores criticaram a
medida, alegando que ferem a autonomia universitária.
A
federal que promove apenas um vestibular por ano terá necessariamente de adotar
esse sistema de cotas em seu exame do final de 2012 ou início de 2013. Já
universidades que realizam duas provas anuais, como a UnB, de Brasília, poderão
adotar o novo sistema só em meados do ano que vem.
A
nova lei prevê que 50% das vagas de todos os cursos e turnos das federais sejam
reservadas a estudantes que cursaram todo o ensino médio em escola pública. Uma
parte dessas vagas deve ser dedicada a negros, pardos e índios, e outra a
alunos com renda familiar igual ou menor a 1,5 salário mínimo per capita. A
maioria da universidades já adota algum tipo de ação afirmativa, mas poucas
atingem um porcentual de 50% das vagas.
Em
meio à satisfação da presidente Dilma Rousseff e ao descontentamento dos
reitores, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, optou por não comentar
nada sobre a aprovação da lei das cotas.
Oficialmente,
ele quer primeiro conversar com a presidente, se inteirar sobre o assunto, para
só então se manifestar. Nos bastidores, a conversa é outra. Entre os que
trabalharam pela aprovação do projeto de lei é quase unânime a tese de que
Mercadante nunca foi simpático ao sistema.
Ele
teria, até mesmo, pedido várias vezes que o projeto não entrasse na pauta de
votação - resistência atribuída à rejeição do tema no Estado de São Paulo, seu
reduto eleitoral. Mas o cenário foi ficando cada vez mais propício para a
votação dessa lei especialmente após a aprovação pelo Supremo Tribunal Federal
da constitucionalidade das cotas.
Outro
facilitador, acreditam interlocutores, foi a saída de Demóstenes Torres (sem
partido-GO) do Senado, que sempre foi forte opositor das cotas e grande
agregador de parlamentares.
Aprovado
o projeto, a quebra da autonomia universitária é a principal crítica de
reitores à decisão do Senado. Representante dos reitores, a Associação Nacional
dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes)
posiciona-se contra o projeto desde que a tramitação começou.
"Quase
todos os reitores são a favor de políticas afirmativas, mas as ações devem ser
estabelecidas a partir da autonomia, respeitando a especificidade de cada
região", afirma o presidente da Andifes, Carlos Maneschy, reitor da
Federal do Pará (UFPA). "Aqui no Pará definimos cota de 50% para escola
pública, nem haverá grande mudança. Mas fomos nós que decidimos e essa fórmula
não pode ser aplicada em todas."
Para
o reitor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Walter Albertoni, a
definição de 50% é preocupante e pode resultar em queda de qualidade de
ingressantes, principalmente em cursos mais exigentes, como Medicina.
"Ainda não dá para saber como vai ser o desempenho com esse
porcentual", diz ele. A Unifesp reserva 10% de vagas de cada curso e o
desempenho dos alunos é considerado bom, segundo Albertoni.
O
reitor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Helio Waldman, discorda.
Segundo ele, é imprescindível porcentual como esse. "Não adianta colocar
cotas pequenas. Quando se tem 10%, por exemplo, frequentemente a nota de corte
é até superior ao dos não cotistas, pois essas vagas serão preenchidas por
alunos vindos de escolas técnicas e colégios militares, que, em geral vêm de
famílias com renda alta", diz ele.
Intromissão.
O reitor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Roberto Salles, criticou a
"intromissão indevida" do Congresso. "O Senado está transferindo
a responsabilidade do ensino médio de qualidade, que cabe aos governadores e
prefeitos, para as universidades. Estão passando o pepino", afirmou
Salles. Recentemente, a UFF aprovou a reserva de 25% das vagas.
A
Universidade Federal da Bahia (UFBA) precisará de poucos ajustes para se
adequar à lei. "Nossa política de cotas é semelhante à aprovada pela
Câmara", diz a reitora Dora Leal Rosa.
Em
vigor desde 2004, o sistema de cotas da UFBA reserva 43% das vagas a estudantes
que tenham cursado todo o ensino médio - além de pelo menos um ano do ensino
fundamental - em escolas públicas. Além disso, oferece 2% das vagas a
descendentes de índios.
Dentro
da cota, 85% são direcionadas a negros e pardos, seguindo as proporções da
população baiana.