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Era
a tarde do dia 12 de agosto quando o coração do comerciante Sérgio Alexandre
Genaro, de 48 anos, voltou a bater sozinho depois de passar por quatro
cirurgias e ficar dois meses completamente parado, funcionando graças a um
coração artificial, que pesava 600 gramas e estava preso pelo lado de fora do
corpo.
O
desfecho inesperado fez Genaro ser o primeiro paciente do Brasil com indicação
para transplante cardíaco cujo órgão voltou a bater espontaneamente.
"Não
há outros casos como esse registrados no Brasil. A literatura internacional
aponta que isso ocorre em cerca de 1% dos casos", afirmou o cirurgião
cardíaco Alexandre Siciliano, do Instituto Nacional de Cardiologia (INC),
responsável pelo implante do coração artificial.
Genaro
entrou na mesa de cirurgia no dia 2 de junho para operar o coração - que estava
com quatro artérias completamente entupidas. Apesar de sentir cansaço e falta
de ar, o comerciante nunca havia suspeitado que poderia haver algo errado com o
seu coração.
O
problema só foi descoberto quando ele fazia os exames pré-operatórios para uma
cirurgia de pedra nos rins: os resultados demonstraram que Genaro já havia
sofrido microinfartos silenciosos e o seu coração poderia entrar em colapso a
qualquer momento, caso não fosse operado.
"Fui
encaminhado direto para o INC. Lá soube que meu coração funcionava com apenas
30% da capacidade e disseram que minha cirurgia teria de ser feita com
urgência", diz.
A
parada. Por causa da gravidade do problema no coração, o comerciante precisou
receber quatro pontes (duas safenas e duas mamárias) para ajudar o fluxo
sanguíneo. O coração, entretanto, não suportou a circulação extracorpórea e
parou de bater.
"O
risco de o coração não voltar depois da cirurgia é pequeno, mas existe. Colocamos
um dispositivo para manter a oxigenação e dar assistência para o coração e o
pulmão. Era a única alternativa para pensarmos nos próximos passos",
explica Siciliano.
Surpreendendo
os médicos a cada minuto nessa fase crítica, Genaro manteve todas as funções
preservadas, até mesmo as neurológicas. O comerciante entrou para a lista de
transplante e, para suportar a espera, a equipe decidiu implantar o coração
artificial - que ficou conectado ao órgão natural de Genaro.
O
coração artificial é um equipamento descartável usado em pouquíssimos casos
para dar uma assistência ao paciente. É ele que faz o serviço de bombear o
sangue do coração para o corpo, substituindo as funções do órgão debilitado.
Parte
dele é conectada ao ventrículo esquerdo do paciente e parte fica presa para
fora do corpo (mais informações nesta página). O aparelho funciona ligado à
energia elétrica, mas também possui uma carga de bateria que pode mantê-lo
funcionando por algumas horas. Também é possível fazer bombeamento manual.
Ao
acordar e saber que estava com um coração artificial para fora do corpo, Genaro
se assustou. "Pedi para ninguém encostar porque era aquilo que estava me
mantendo vivo. Foi horrível ver aquela borracha saindo do meu corpo e o sangue
circulando. Achei que aquilo não ia suportar esperar o transplante."
E
não foi fácil. O comerciante permaneceu internado e, aos poucos, seus órgãos
começaram a ficar comprometidos. Ele chegou a precisar de respiração mecânica e
a fazer hemodiálise. "O aparelho faz um barulho horrível, é ruim para
dormir. E eu tinha de ficar isolado por causa do risco de infecção", diz.
Aos
poucos, os médicos perceberam que o coração natural de Genaro estava
recuperando as funções. Entusiasmados, começaram a diminuir a capacidade de
suporte do aparelho, até que o órgão natural voltou a bombear sangue sozinho.
"Chorei muito quando soube, foi um presente de Deus. Eu nasci de
novo."
Raro.
Segundo o cirurgião Siciliano, apenas dez pacientes usaram o aparelho em seis
anos - três foram para o transplante, seis morreram enquanto esperavam a
cirurgia e apenas Genaro conseguiu se livrar do equipamento espontaneamente.
"Hoje
ele está livre do aparelho, da insuficiência cardíaca e da necessidade de
transplante. É raríssimo. A literatura aponta que apenas em 1% dos casos o
coração volta a bater. E é muito menos comum em pessoas que haviam tido um
infarto, já que, neste caso, as células morrem", diz Siciliano.
Genaro
recebeu alta no dia 10 de outubro e se recupera na casa da irmã. Faz
acompanhamento mensal das funções cardíacas e teve de se adaptar a uma rotina
com remédios, dieta e exercícios físicos. Seus dedos dos pés e das mãos, que
ficaram necrosados por falta de circulação e quase tiveram de ser amputados,
estão voltando ao normal aos poucos.
O
comerciante está afastado do trabalho e ainda depende de perícia do INSS para
saber se poderá retomar as atividades. "Eu quero e consigo voltar a
trabalhar", finaliza.
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