A
menor oferta e a maior renda de empregadas domésticas podem trazer
"impactos profundos" para a sociedade brasileira, dizem analistas,
obrigando famílias a reorganizarem suas vidas e hábitos domésticos.
"As
classes média e média alta se organizaram em função do trabalhador doméstico,
que estrutura suas vidas e possibilita suas jornadas de trabalho", diz
Luana Pinheiro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
De
acordo com a pesquisadora, a migração de mulheres jovens para outros setores do
mercado de trabalho formal tende a reduzir a oferta de trabalhadoras
domésticas, mas a demanda continua alta.
"Essa
não-reposição (de profissionais na categoria) pode ter impactos muito profundos
na sociedade. Se a oferta se tornar muito pequena, as famílias podem ter que se
reorganizar e redistribuir as tarefas domésticas", diz a socióloga.
Famílias
acostumadas à ajuda doméstica terão que encontrar novas maneiras de dar conta
de cuidados com filhos, limpeza e alimentação, diz Pinheiro, e adotar uma
divisão de tarefas mais equilibrada entre homens e mulheres.
Mas
também o Estado será chamado à responsabilidade, afirma a socióloga,
preenchendo lacunas que vêm sendo compensadas por trabalhadoras domésticas.
"O
Estado vai ter que compartilhar com as famílias a responsabilidade por
atividades como o transporte escolar e a oferta de creches", diz Pinheiro.
"Os cuidados não devem ser responsabilidade só da família, ou só da mulher
dentro da família. Se for assim, quem tem dinheiro resolve, quem não tem não
resolve."
SEGUNDA
LIBERAÇÃO FEMININA
De
acordo com o economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da
Fundação Getúlio Vargas (FGV), o processo de entrada das mulheres brasileiras
no mercado de trabalho, no passado, veio apoiado no trabalho doméstico. As
empregadas permitiram que "as mulheres deixassem a casa e fossem
trabalhar". Tanto que o processo incluiu a entrada de uma legião de
mulheres de baixa escolaridade no mercado, na retaguarda.
Para
Neri, agora começa "a segunda etapa da liberação feminina".
"Está havendo e vai continuar a haver uma mudança no mercado, permitindo a
liberação das empregadas domésticas de um trabalho pouco qualificado",
diz.
A
seu ver, isso vai trazer mudanças culturais para a sociedade e fazer com que
novas tecnologias sejam incorporadas aos lares para compensar pela falta --ou
redução-- da ajuda doméstica.
Mesmo
domésticas poderão ter que readequar sua rotina de trabalho: de acordo com
pesquisa do Data Popular, 17% das empregadas no Brasil (mais de um milhão de
pessoas) contam com ajuda de outros trabalhadores em suas casas para poder sair
para trabalhar.
NOVOS
DIREITOS
Em
junho, uma resolução histórica da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
integrada por 183 países, determinou que empregados domésticos devem ter os
mesmos direitos básicos que trabalhadores de outros setores, incluindo
regulação de jornada de trabalho, descanso semanal de 24 horas consecutivas e
um limite para pagamentos em dinheiro vivo.
Após
a decisão, o Ministério do Trabalho anunciou que vai elaborar uma proposta para
equiparar os direitos trabalhistas de empregadas domésticas aos de outros
trabalhadores, assegurando, por exemplo, o direito ao FGTS (Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço) e o pagamento de horas extras. De acordo o ministro
Carlos Lupi, o projeto será apresentado à presidente Dilma Rousseff até o fim
do ano.
A
decisão levou a protestos entre representantes de empregadores, que argumentam
que a medida levaria a forte queda nas contratações.
Carbinato
afirma que o trabalho doméstico deve continuar sendo tratado como uma categoria
especial e argumenta que é impossível regular a jornada de trabalho de uma
empregada doméstica ("O empregador não teria condições de saber se o
empregado trabalhou enquanto estava fora de casa ou se ficou assistindo a
novela, ou falando no celular sentado na cozinha. Não tem como
controlar.")
"Com
cada vez mais encargos no ombro do empregador, vai acabar havendo uma mudança
nos hábitos", diz. "Em vez de você ter uma pessoa que vai todo dia,
vai acabar pegando diarista. Quem tinha três empregados vai ter uma, e quem
tinha uma vai ter só uma diarista, ou nenhuma. E as pessoas que eram empregadas
vão ter que pular para outra área para sobreviver", diz.