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No primeiro ano da lei seca, o impacto foi positivo e as mortes caíram 6,2%, conforme divulgou hoje (18) o Ministério da Saúde. Entretanto, números levantados pelo iG em um banco de dados com informações mais atualizadas mostram que, no segundo ano de vida da lei, a quantidade de mortos e feridos voltou a subir, em patamares superiores aos registrados antes da lei.
Chamada de DataSus, a plataforma usada pela reportagem computa também os feridos em acidentes de trânsito. Foram feitos três levantamentos distintos, usando como corte o mês junho de 2008 (data da aprovação da lei seca) e abril de 2010, último mês disponível no DataSUS. Apesar de estarem disponíveis para consulta na internet, estes dados mais recentes ainda não foram analisados pelo Ministério da Saúde, informou a assessoria de imprensa do órgão.
As informações preliminares mostram que entre junho de 2009 e abril de 2010 – período de plena vigência da lei seca – foram consumidos dos cofres públicos R$ 153 milhões apenas para custear internações hospitalares de acidentados no tráfego brasileiro, uma média de R$ 390 por minuto (contra R$ 245 no primeiro ano da lei). No período, foram atendidas 122.068 vítimas de colisões, capotamentos e atropelamentos, quantidade 24,5% maior do que a registrada no mesmo intervalo de meses anterior. A lei seca entrou em vigor no dia 20 de junho de 2008.
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Logo que foi aprovada a medida projetou um alívio na demanda de pacientes que diariamente chegavam às unidades de saúde, pedindo socorro por causa de membros quebrados, colunas lesionadas e escoriações na pele, decorrentes das batidas. “O álcool é o principal vilão do acidente de trânsito. Quando a bebida faz parte do contexto, o potencial de alcance da batida é maior, são mais pessoas machucadas”, afirma o coordenador do pronto-socorro de urgência de Curitiba e da diretoria de campanhas de educação da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, Marcelo Abagge. “Por isso, tivemos a impressão de que uma legislação como essa teria um impacto importante na redução de pessoas que dão entrada nos hospitais. Em Curitiba, cidade em que atuo, lamento dizer que o impacto foi nulo.”
Os dados mostram que o médico Abagge tem respaldo para sua decepção. De fato, no primeiro ano após a lei seca houve redução de 9,8% (informações do DataSus) entre os que acabaram mortos nas unidades de saúde por causa dos acidentes no tráfego (4.296 vítimas fatais de trânsito atendidas entre junho de 2007 e abril de 2008 e 3.912 pacientes entre junho de 2008 e abril de 2009). Mas no ano seguinte as estatísticas mostram fenômeno inverso, alta de 12,4% vítimas da violência no trânsito.
Trânsito que paralisa
A influência do álcool nos acidentes de trânsito já foi medida por várias pesquisas científicas. A Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) trabalha com a estimativa de que três em cada dez traumas registrados têm a presença de um dos envolvidos alcoolizados. Um trabalho realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) analisou a dosagem alcoólica de motoristas e motociclistas que haviam morrido no trânsito. Os testes foram feitos no Instituto Médico Legal (IML) e constataram que 45% dos condutores haviam bebido no dia do acidente.
Os que sobrevivem às colisões também convivem com sérias sequelas. Muitos perdem a mobilidade e com ela a independência. A gravidade dos ferimentos é resultante da interferência que a bebida provoca nos reflexos. Por estes motivos, os tratamentos são longos e custam caro ao Sistema Único de Saúde (SUS) e unidades preparadas para reabilitação.
A Associação de Assistência à Criança e ao Adolescente (AACD), referência nacional no atendimento de pacientes com deficiência física, é duplo exemplo para sugerir o potencial de uma lei seca bem aplicada: os acidentes de trânsito continuam no topo do ranking de causas das lesões medulares dos pacientes atendidos, a razão de paralisias e tetraplegias. Além disso, a fila de espera de pessoas que precisam dos cuidados dos profissionais da entidade não cessa (o número, há dois anos, já chegou em 30 mil pacientes).
Segundo Marcelo Ares, gerente de reabilitação da AACD, no ano passado, dos 238 pacientes em tratamento por lesão medular, 70% perderam os movimentos do corpo por causas externas. Deste total, quatro em cada dez se machucaram no trânsito e as motos lideraram as ocorrências: 61% dos machucados estavam nas motocicletas.
Para Ares, o perfil de atendimento de cada local varia de acordo com as características de cada país. “Sabemos que na Índia, por exemplo, as quedas de árvores estão entre as principais causas de lesão medular e na Austrália os acidentes acontecem mais na prática de esportes. No Brasil, até três anos atrás, eram os ferimentos provocados por arma de fogo. Desde então, o trânsito ficou fixo como primeira causa.
Potencial perdido
O trânsito que paralisa tem impacto direto na qualidade de vida das pessoas, além de servir como uma importante barreira na ampliação de serviços de saúde de qualidade, No ano passado, quando a redução de acidentes pós lei seca foi significativa em quase todo País, o Estado de São Paulo foi apenas um que reuniu exemplos concretos do potencial positivo da restrição do álcool e direção.
Segundo o governo local, foram economizados R$ 17 milhões com a redução de pacientes traumatizados no trânsito, verba que na época foi utilizada para equipar uma nova unidade de reabilitação de acidentados, a rede Lucy Montoro. Quase um ano depois, a unidade tornou-se referência justamente para vítimas machucadas nas ruas, avenidas e estradas.
Otimismo
O ortopedista do Rio de Janeiro e da direção da Sociedade Brasileira de Ortopedia, Sérgio Franco, é um dos assíduos defensores da legislação restritiva do álcool no trânsito, realiza várias pesquisas na área, e traz um sopro de esperança para melhorar o impacto da lei seca nas pistas brasileiras.
De acordo com ele, a efetividade da legislação varia de acordo com a fiscalização. “Funciona mais onde há mais rigor nas blitze”, diz. “De qualquer forma, a minha avaliação é que a medida restritiva já provocou mudança de comportamento, em especial na população mais jovem”, diz ele ao se referir ao levantamento feito pelo pesquisador com universitários do Rio e São Paulo.
Antes da lei, 37% dos entrevistados afirmaram não pegar carona com amigos que tinham bebido, índice que subiu para 80% após a legislação. Da mesma forma, 37% afirmavam não beber e dirigir, porcentagem que cresceu para 50%. “Toda mudança de postura é lenta, gradual e exige esforço. Essa é minha expectativa com a lei.”
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