Chefs da vida real riem do chef da novela das nove
universo paralelo

O personagem de Dalton Vigh prepara omeletes e panquecas para o café da manhã da família. Foto: TV Globo / Divulgação
Tudo
bem que a televisão é um universo paralelo à realidade, que, ali, tem muito de
ficção e fantasia. Mas por que será que as novelas, por mais recursos que
disponha a produção, sempre tratam de perpetuar esterótipos e mitos sobre tudo
aquilo que é novidade? As informações são do portal IG.
É o caso da rotina do chef René Vielmont, personagem interpretado pelo ator
Dalton Vigh em “Fina Estampa”, novela exibida pela Rede Globo, no horário
nobre. Esta poderia ser uma boa oportunidade para apresentar aos
telespectadores as profissões de cozinheiro e restaurateur -- carreiras
relativamente novas, muito procuradas não só no eixo Rio-São Paulo como também
outras capitais brasileiras como Belo Horizonte, Recife, Salvador, Fortaleza,
Belém, Brasília, Curitiba e Porto Alegre.
Mas
o dia a dia do chef da novela é um equívoco do começo ao fim. René fica de
noite no restaurante e prepara pratos complicados para servir um funcionário
que reforma o salão; em casa, atende a pedidos da família e faz pessoalmente o
café da manhã; e, na hora de fazer uma simples omelete no restaurante, lá vai o
chef para o fogão.
O ator diz que se preparou para viver o papel e a emissora até contratou um
consultor gastronômico para dar dicas sobre o comportamento do personagem em
cena, principalmente na cozinha. Mas a impressão que fica para os chefs de
verdade que já assistiram à novela é a de que o autor não participou dessa
preparação e/ou que o tal consultor tem um total desconhecimento de como é a
vida e o trabalho de um cozinheiro profissional.
“Meus
colegas estão todos comentando o ridículo das cenas dessa novela”, afirma Dudu
Borger, sócio e cozinheiro do Le French Bazar, em São Paulo. “Acho muito
estranho esse chef servir um café da manhã à la carte para sua família. Eu e a
grande maioria dos meus companheiros de profissão não costumamos cozinhar em
casa, ainda mais fazendo um prato para cada pessoa.”
Ele
conta que quem cozinha em sua casa é a empregada. “E quem coordena o trabalho dela
é a minha esposa”, afirma Dudu. O chef conta só vai para o fogão doméstico em
ocasiões especiais como aniversários, jantares para os amigos e etc. “E, quando
vou para a cozinha, evito repetir os pratos do trabalho. Faço paella,
macarronada, churrasco”, diz ele, que comanda um restaurante de culinária
francesa. “Não dá para engolir esse chef fazendo em casa um croque monsieur para
a tia de sua mulher. É o mesmo que imaginar que o Ferran Adrià prepara de manhã
espuma de café com leite e esferas de pão com manteiga”, diverte-se.
Outra
que está indignada com a desinformação transmitida pelo personagem da novela é
Daniela França Pinto, do paulistano Lola Bistrot. Ela garante que o que se passa na trama não
tem nada a ver com a realidade dos cozinheiros e restaurateurs. “Aquilo é pura
fantasia, utopia, sonho”, diz. “A profissão pode ter seu glamour para os
clientes, mas é um trabalho exaustivo e nós somos pessoas normais. Eu e os meus
amigos que trabalham na área gostamos de comidas simples em casa. Ninguém come
ou, principalmente, prepara pratos complicados. Adoro ir de vez em quando ao McDonalds, por exemplo.
E vou amarradona.”
Daniela
conta que também não gosta de ver o personagem René dando uma de chef de
cozinha fora do restaurante. “O Caetano Veloso não vai à praia com seu violão
embaixo do braço. E, quando ele encontra seus amigos ou vai a uma festa de
família, as pessoas não pedem para ele compor uma musiquinha ali na hora. Eu
não uso a dólmã [jaqueta do uniforme de cozinheiro] 24 horas por dia e, quando
saio do restaurante, deixo a chef para trás”, afirma.
Menos
incomodado com a performance do chef René em "Fina Estampa", o
francês radicado no Rio de Janeiro Claude Troisgros conta
que também não cozinha quase nada em casa, muito menos comida francesa. “Tiro
os fins de semana para descansar e viajar. Às vezes cozinho quando estou fora,
adoro comprar um peixe fresco na praia e prepará-lo para meus amigos e minha
família”, diz. Mas ele garante que há décadas não prepara uma omelete na
cozinha de seu restaurante. Isso é trabalho para um de seus assistentes –
provavelmente o mais iniciante.
A
única semelhança que minha vida tem com a desse personagem é que meu filho
'adorra' me acordar cedo para eu fazer misto-quente. Ele só come o sanduíche se
for 'preparrado' por mim”, conta Claude com seu sotaque carregado e permanente
bom humor.